Direito Desportivo no Brasil: normatização, desafios atuais e perspectivas

O Direito Desportivo — ramo jurídico que regula as relações no esporte, envolvendo atletas, clubes, federações, patrocinadores, torcedores e poder público — tem se firmado como área de crescente importância no Brasil. Com leis recentes, decisões judiciais, novos enunciados e um ambiente de debates intensos, há boas oportunidades de avanço, mas também desafios jurídicos concretos. Este artigo apresenta os fundamentos legais do Direito Desportivo, discute aspectos atuais, aponta problemas comuns e sugere caminhos para evolução e melhores práticas.

Fundamentos legais do Direito Desportivo

  1. Constituição Federal (1988)
  • O esporte é reconhecido como direito social (art. 6º), além de dever do Estado.
  • Também está previsto que o Estado promova políticas públicas esportivas, com tratamento diferenciado para esporte educacional e de inclusão.
  1. Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998)
  • Normatiza a prática desportiva, modalidades, direitos dos atletas, entidades esportivas, contratos, direito de arena, regulamentos de disputas, entre outros aspectos.
  • O direito de arena, por exemplo: pertence às entidades de prática desportiva a prerrogativa de autorizar ou proibir transmissões de espetáculos esportivos em que participem.
  1. Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438/2006)
  • Permite que pessoas físicas ou jurídicas destinem parte do Imposto de Renda para projetos desportivos aprovados.
  • Os projetos abrangem esporte formativo, educacional, de participação, de rendimento, inclusivo, etc.
  1. Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023)
  • Foi instituída para modernizar, integrar e consolidar várias normas, com objetivo de fortalecer estrutura institucional, responsabilidade, transparência, e estimular organização do esporte no país. (Inclui Federações, entidades formadoras de atletas, normas de patrocínio, etc.)

Temas atuais e relevantes

  1. Tornar permanente a Lei de Incentivo ao Esporte
  • Em julho de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP 234/24), para tornar permanente a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), atualmente válida até 2027. O objetivo é garantir segurança jurídica e previsibilidade para os projetos esportivos financiados via incentivos fiscais.
  • O novo texto mantém requisitos de prestação de contas, transparência e limites, e prevê alterações nos percentuais dedutíveis do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas.
  1. Jornada de Direito Desportivo e enunciados
  • Em junho de 2025, foi realizada a I Jornada de Direito Desportivo, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ/CJF), com participação de diversos atores do esporte e do Direito.
  • Ao final, foram aprovados 40 enunciados distribuídos em três comissões temáticas: aspectos trabalhistas; penais e disciplinares; e econômicos, tributários e contratuais. Estes enunciados visam uniformizar entendimentos, reduzir conflitos e trazer segurança jurídica nas decisões de Justiça Desportiva e Judiciário comum.
  1. Aspectos tributários, de transparência e responsabilidades
  • Um debate relevante refere-se aos incentivos fiscais: como garantir que os recursos realmente cheguem aos projetos de menor porte, às comunidades vulneráveis, garantindo eficiência, fiscalização e evitando fraudes ou desvios.
  • Há projetos de lei no Congresso para alterar limites de dedução, critérios de priorização, clareza na legislação e em regulamentos estaduais e municipais.

Problemas recorrentes e desafios

  1. Instabilidade normativa / insegurança jurídica
  • A proximidade do fim de vigência da LIE gera incertezas para entidades e projetos que dependem desses recursos. Se não houver continuidade legislativa (como via PLP tornando-a permanente), muitos projetos podem ficar sem financiamento.
  • Divergências interpretativas entre entes federativos, entre federações esportivas, judiciário comum e disciplinares (Justiça Desportiva). A falta de uniformidade em decisões pode aumentar litígios. A aprovação de enunciados ajuda, mas ainda é necessário evolução prática.
  1. Captação e aplicação dos recursos
  • Nem todas as entidades esportivas estão preparadas para lidar com exigências burocráticas, fiscais e de prestação de contas exigidas pela lei. Isso pode gerar impedimentos à participação, ou risco de responsabilizações posteriores.
  • Há necessidade de maior transparência, participação social e controle externo para evitar fraudes ou uso indevido dos incentivos.
  1. Proteção do atleta, especialmente de base
  • Contratos, formação, cláusulas de transferência, direitos de imagem, direito de arena: todos estes precisam de legislação e prática que protejam atletas, em especial menores ou em formação.
  • Disputas sobre remuneração, vínculo empregatício, condições de trabalho, direitos previdenciários para atletas, etc., são temas de litígios frequentes no Direito Desportivo.
  1. Uniformização entre normas estaduais e municipais
  • A lei federal estabelece padrões, mas estados e municípios muitas vezes têm políticas de incentivo distintas, com exigências variáveis. Isso pode criar desigualdades regionais ou entraves burocráticos.

Perspectivas e caminhos para solidificação

  • Aprovação definitiva da LIE permanente, com regras claras, fiscalização, controle e participação social, para garantir previsibilidade e continuidade.
  • Mais enunciados ou precedentes vinculantes para o direito desportivo — decisões bem fundamentadas, com entendimento uniforme, que reduzam oscilações entre diferentes instâncias judiciais e desportivas.
  • Capacitação das entidades esportivas: para compreender normas fiscais, trabalhistas, contratuais, de compliance, para prestar contas, gerir contratos de imagem, direitos de transmissão, etc.
  • Maior envolvimento do poder judiciário e administrativo na regulação de direitos individuais dos atletas — incluindo contratos, segurança, condições, garantia de direitos básicos.
  • Integração das políticas de esporte com outras áreas: educação, saúde, inclusão social — o esporte como instrumento de desenvolvimento humano, não só rendimento ou espetáculo.

O Direito Desportivo no Brasil está em um momento de maturação: há novos marcos legais (Lei Geral do Esporte), esforços de sistematização (Jornada de Direito Desportivo), e políticas de incentivo (LIE) que ganham visibilidade. Mas a consolidação depende de estabilidade normativa, transparência, uniformização, proteção de atletas e eficiência na aplicação de recursos.

Para operadores do Direito — advogados, clubes, federações, entidades de base — é um momento oportuno para atuação preventiva: revisar contratos, garantir regularidades fiscais, acompanhar cobranças judiciais e disciplinares; para o poder público, para estruturar políticas claras, fiscalização e planejamento; e para os atletas, para conhecer seus direitos e participar ativamente do processo.

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