Recentemente, um grave problema ganhou visibilidade no Brasil muitos aposentados e pensionistas do INSS têm sofrido descontos em seus benefícios previdenciários feitos por associações ou entidades associativas, sem autorização ou em desacordo com normas legais. Estas práticas têm impactos financeiros e jurídicos significativos sobre cidadãos vulneráveis; envolvem direitos previdenciários, civis e administrativos. Este artigo explica o que constitui desconto ilegal, quais as normas aplicáveis, quais ações o segurado pode tomar, e quais são as recentes mudanças e decisões do governo relacionadas ao tema.
O que são descontos ilegais nos benefícios previdenciários
- Definição: são valores descontados da aposentadoria ou pensão sem que o beneficiário tenha autorizado expressamente, ou sem base legal, ou ainda em desacordo com os termos de autorização (quando há). Podem ser mensalidades associativas, taxas, contribuições de entidades que mantêm acordo com o INSS ou entidades privadas.
- Como ocorrem na prática: acordos de cooperação técnica entre INSS e associações que permitem descontos automáticos dos benefícios; ações de cobrança por entidades associativas com justificativas administrativas; casos em que o segurado não sabe da existência de associação ou não assinou termo de autorização.
Aspectos legais
Normas constitucionais e infraconstitucionais
- A Constituição Federal assegura o direito à previdência social como direito fundamental (art. 194 e art. 201). O concedimento e manutenção dos benefícios obedecem ao que for previsto em lei, inclusive quanto aos descontos permitidos.
- A Lei nº 8.2131991 (Lei de Benefícios da Previdência Social) rege as aposentadorias, pensões, auxílios, etc., e disciplina os benefícios e direitos dos segurados. Não há previsão legal que permita descontos de mensalidades associativas sem autorização expressa.
- Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicável subsidiariamente em muitos casos, quando se trata de relação de consumo — como no caso de pensionista ou aposentado que contratou ou foi vinculado com associação — protege contra cobranças abusivas e serviços que invadam direitos do consumidor. Por exemplo, cobrança sem transparência, sem consentimento, pode ferir princípios do CDC, como o da boa-fé, da informação adequada e clara e da proteção contra práticas abusivas.
Jurisprudência e atuação do Poder Judiciário
- Há decisões de tribunais condenando entidades que fizeram descontos indevidos. Por exemplo, no Distrito Federal, uma aposentada foi condenada a receber indenização por descontos indevidos feitos em seu benefício previdenciário.
- O Ministério Público Federal (MPF) defende que a devolução de descontos indevidos deve ser completa, com ressarcimento dos valores desviados pelas entidades responsáveis, inclusive responsabilizando agentes públicos envolvidos.
Situação atual e medidas recentes
Operação “Sem Desconto” e suspensão de acordos
- Em abril de 2025, a CGU (Controladoria-Geral da União) suspendeu todos os Acordos de Cooperação Técnica entre o INSS e entidades que estariam fazendo descontos suspeitos em aposentadorias e pensões. A medida visa impedir novas cobranças não autorizadas.
Serviços e Informações do Brasil - A Polícia Federal também atuou em investigação sobre o esquema.
Notificações, ressarcimento e cronograma
- O INSS iniciou notificações aos aposentados ou pensionistas via Meu INSS para que verifiquem se houve desconto associativo em seus benefícios, informem se foi autorizado ou não, a entidade responsável, valor, etc.
- Beneficiários que não reconheceram os descontos podem requerer restituição pelos canais oficiais do INSS — site, aplicativo Meu INSS ou central telefônica (135).
- Os valores indevidos, quando confirmados, serão devolvidos corrigidos pela inflação (IPCA).
- O governo firmou um acordo de conciliação envolvendo INSS, AGU, MPF, Defensoria Pública da União, OAB entre outros, para garantir o ressarcimento sem necessidade de ação judicial para quem aderir.
- Prazo prometido o INSS afirmou que os beneficiários afetados terão os valores ressarcidos até dezembro de 2025.
Portal Contabeis
Quantia envolvida e estimativas
- Estimativas do governo indicam que os descontos ilegais podem somar entre R$ 2 a R$ 3 bilhões.
- Há também valores já bloqueados judicialmente que devem ser utilizados para ressarcimento.
Direitos do segurado e deveres das entidades
Do segurado
- Direito à informação saber se houve desconto, qual entidade fez, se autorizou, valor, quando, etc. O INSS disponibilizou isso via Meu INSS.
- Direito de contestar caso o beneficiário não reconheça o desconto, ele pode informar isso e requerer restituição.
- Direito ao ressarcimento valores devem ser devolvidos, corrigidos, inclusive com responsabilidade da entidade que fez os descontos indevidos.
- Direito de ação judicial mesmo com o acordo administrativo, pode-se buscar reparação, inclusive por danos morais, contra entidades responsáveis.
Deveres das entidades associativas associações sindicatos
- Só efetuar descontos com autorização formal do beneficiário, de preferência documentada.
- Manter transparência informar claramente finalidade, valor, frequência, meio de cobrança.
- Responder às contestações no prazo legal.
- Devolver o valor descontado indevidamente, quando for o caso, inclusive com correção monetária.
- Assumir responsabilidade civil e administrativa se for comprovado abuso ou fraude.
Obstáculos legais e pontos de atenção
1.Prescrição: existe um prazo legal (normalmente cinco anos) para requerer devolução de valores descontados indevidamente (prescrição quinquenal), salvo situações excepcionais que permitam ampliar esse prazo.
- Prova: embora o INSS tenha disponibilizado mecanismo de contestação, cabe à entidade demonstrar que o desconto tinha autorização. Se ela não provar, o valor deve ser devolvido.
- Golpes: entidades maliciosas podem tentar se aproveitar da insegurança dos beneficiários para enviar mensagens falsas, pedir dados ou fazer promessas fraudulentas. Importante atentar apenas aos canais oficiais (siteapp “Meu INSS”, central 135).
Panorama jurídico e propostas de melhorias
Propostas judiciais pedem a derrubada ou revisão de normas internas do INSS (como instrução normativa) que transferem ao aposentado ônus excessivo de provas ou limitam ou afastam direitos.
A atuação recente do governo mostra um esforço institucional para corrigir essa falha, com suspensão de acordos, investigação, e conciliação para restituição.
O MPF propõe que sejam responsabilizados não apenas as entidades privadas, mas também os agentes públicos que permitiram ou negligenciaram estas práticas.
Os descontos ilegais sobre benefícios previdenciários configuram grave ofensa a direitos básicos do segurado, trazendo prejuízos econômicos àqueles que já dependem do benefício para sua subsistência. No entanto, há hoje um movimento claro de responsabilização, normatização, investigação e reparação o Estado, o Judiciário e as instâncias de controle (CGU, Ministério da Previdência, AGU, MPF) estão se mobilizando para identificar, bloquear e reparar essas práticas.
Para o advogado previdenciário, a questão traz oportunidades e desafios atuar preventivamente para evitar que clientes sejam lesados, orientar corretamente sobre direitos, acompanhar notificações do INSS, e litigar quando necessário.